quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

A Última Taça

A última taça de vinho é terrível,
é a despedida!
O beijo em brasa que deixa a carne ardendo,
Afoita, mas ainda assim enfastiada!

A última taça de vinho é magnífica,
É o cálido beijo da prostituta langorosa;
A derradeira felicidade do dia,
O ápice do despropósito!

A última taça de vinho é absurda;
que enfraquece minha carne contumaz,
laboriosa e letárgica, instintiva!
É o vil outono da penúria!

Transborda vida e candura;
Sê a ambrosia deste miserável,
tu que vens ludibriando,
ora taça cheia, ora colo de uma mulher.

A última taça de vinho é rir,
Rir de tão insignificante,
desta que é tanto embriaguez


quanto epitáfio.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Caminhar dos Teixos

O lamento é meu verdugo,
Carrasco pronto a degolar-me;
A vida formou-me uma estepe,
Que digere dia após dia;
Vazio descarado,
Veste-me como um sudário.
Vilipendiosa Ausência,
Faz as vezes de cadeado;
 (recôndita alma minha)

Caminham teixos por estes campos,
Passeando laboriosos, zombando aos podres;
Cegamente dirigem-se ao abismo da vida.
Vinga, teixo imundo!
Caminha com tua face derretida,
Escapa dessa derrisão, ó vil e ordinário!
Faz-se ser paladino nesta escuridão infinda.
Levanta em tua fronte a lâmpada fresca,
Faça-a rutilar neste negrume distorcido;
Abre caminho ante a dor e o Amargo;
Deixa aos pés tua vergonha e toma da mão do sujo;
Abraça os tíbios deuses e ama tua decadência.
Abre-te como uma chaga,
Faz o lúcido perder a razão,
Pula ao pélago escuro e

Morra como o sol ao crepúsculo.

terça-feira, 7 de abril de 2015

O Bardo

Corria às ruas uma pungente maravilha sonora,
Dançavam ignavos arranjos por entre as alamedas,
Eia! Ímpeto de seguir estas louçãs notas!
Nasce em meu coração um tépido furor:
Explode em um fragor infernal;
Anárquico som que apunhala meus conventos;
Sangra meu rosto, minh'alma é melodia.

Vejo o cistre diabólico!
Pária viçosa entre um anjo e Satã
Altissonante instrumento divino!
Faz meu choro ao corpo trair,

Troam as cordas, matam-me deliciosamente
Parto-me em vários, delirantes clones!
Sepultado neste tugúrio de emoções
Explode vivaz o meu corpo!
Goza desta maravilha!
Chorarei por cada silêncio que suceder,
serei podre, até que o melindroso som 
- que outrora preenchera-me de razões -, 
seja extirpado  desta pobre vida.


Serei eu, então. Novamente. 

quarta-feira, 25 de março de 2015

Devaneios II

                                                                   Vislumbre

Esvai-se,como um  breve devaneio
(que) Retumba tenra mente já insana
e De minha boca, nada mais veio,
só gemidos de minh'alma profana.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Martírio

Encontro-me neste perpétuo brilho sepulcral
Costurando, diabólico, um discurso atravessado:

-Dói-me existir. Sinto rebelar a alma: Sinto espasmos!
"O que me mostram é insuficiente e não mais me satisfazem a essência dos instantes.

"Perdi-me criança. Jovem imaculado e vítima da limitação humana;
Renunciei a realidade e afundei no desespero das dimensões extra-terrenas;
Deixei de me entregar: eu queria o mundo.
A poesia que eu escrevia não era por mim vivida.

"Fiz-me encontrar nefanda semente incestuosa,
beijei os lábios de Lúcifer como se fora meu amante:
criei caprichos e desejos!

"Estou cercado de corpos estranhos,
faces moldadas pela chuva - movem suas bocas fantasmagóricas, desejam-me!
Esqueci as canções dos homens e me quedei cego com a luz do amanhecer.
Já sem a realidade, estava eu sem pátria: vagava!

"Encontrava-me com muito da vida e pouco do mundo.
Minha alma lamentava, estava inquieta - dei a ela o nome de Helena!
Servi a ela doces letárgicos. Caí no abismo da minha mente e neguei o resto.

"Quando as palavras se tornam esboços,
os homens esticam seus longos pescoços para o abismo contemplarem.
Dê-me o éter e o som da minha danação
Tornarei-me um íngreme gume e cultuarei deuses pagãos;"


-Vejo adiante um farol: caminho em sua direção.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Devaneios I

Farol

Eis que surge um ominoso totem de ferro!
Ergue-se a majestade, impondo-se aos céus -
o qual penetra, jubiloso!

Agulha de Atlas,
Luz infinda e lancinante.

Minha utópica moradia.

domingo, 14 de dezembro de 2014

O Orgasmo de Gaia

Eu navegara demais: acabei-me por cair do mundo.
Navegante de sonhos eu sou,
Ancorado à mínguas docas oníricas,
Procurei a plenitude para meu espirito

Afoguei-me na poesia da terra,
que levantara-se - caminhando mesmo!
Suas pálpebras rochosas revelaram olhos:
um mármore frio e incólume.

Ouvi uma voz irada, quase onipresente:
-ÉS TREVA! PÉSSIMO! O PIOR!
"ESTÁS NO ESCURO! SILENTE!"
"Mas não importa, tudo é tormenta"
Apaziguou.

Despedaçou-se num escandaloso gemido:
era algum estúrdio demônio;
Mordendo o fruto do mundo;
Alguma serpente libidinosa, satânica!

Meu chão se esfarelou e quedei-me ao nada.
Flutuando no vazio deixado pelo mundo,
Que ficara jorrado -jorrada! - e caído
Com uma pequena pétala na mão.

(Giuseppe Neto)